quinta-feira, junho 19, 2008

Alice, a pintora.


Alice morava na aldeia de Couce, longínqua, junto ao rio, perto da natureza, com poucas casas habitadas. Vivia na mais pura da paz. As brincadeiras de criança com o seu primo André, preenchiam-lhe os dias. O acompanhamento escolar era quase nulo, cresceram no campo, juntos e analfabetos. Aquilo que os unia ultrapassava a cumplicidade. Encararam como um amor, terno e inocente, aquele amor, o mais apetecido e por isso, olhado de lado por todos. Todos comentavam, mas só agiram quando a mais bela moça da terra, engravidou. Nesse dia, foi apedrejada por toda a aldeia.
- Ela tinha futuro, era boa rapariga, é uma pena. (cochichava a dona Antónia com a dona Lucinda atrás da igreja).
Nessa mesma noite, depois de Alice ouvir de seu pai que não era mais sua filha e de André não lhe ter dado a mão, fugiu.
Sem saber ler nem escrever, a forma que encontrou para sobreviver foi mostrar a sua arte na rua. Começou por pintar com carvão e a vender, numa cidade fria, que não era a dela. Desenhava essencialmente o paraíso e a visão pura da vida. Alice só tinha conhecido a liberdade, o amor e mais tarde a injustiça e a traição.
Para terem uma ideia, algumas obras dela, fizeram parte de uma exposição chamada: “Paraíso manchado”. Foi descoberta pelo dono de uma galeria, jovem, com boa aparência, que se apaixonou pela arte e mais tarde por ela.
A mulher amarga que Alice se tornou, era fruto da revolta por não a terem deixado amar. Amar a vida, o André e o bebé que nunca chegou a nascer.
Agarrou-se à vontade de morrer no dia em que achou aquela aliança na rua, servia-lhe na perfeição, sentou-se no banco de jardim da praça e enquanto fumava mais um cigarro, imaginou-se de branco, na igreja, rodeada de flores e com um sorriso que já não reconhecia como seu.
Foi a sua última pintura, aos 63 anos, com uma doença terminal diagnosticada e com as mãos trémulas, cobertas de tinta, desenhou uma mulher vestida de noiva, manchada de sangue no altar, sozinha. Momentos antes de falecer.




(texto construido a partir da imagem)

2 comentários:

  1. Já percebi que o texto é teu e olha que é muito bom...por momentos pensei que estivesses a contar a história de alguém que conhecesses...

    bj

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  2. Estou completamente arrepiada...

    Fosgasse! Muito bom!

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